Prefeita de Bom Jardim é investigada por desvios de verbas da educação
Enquanto é investigada, Lidiante Leite (PP) ostenta luxo nas redes sociais.
Escolas estão em péssimas condições; professores improvisam aulas.
Do G1 MA, com informações da TV Mirante
"Eu não me importo, quero que investigue sim, quero que se puna o
responsável, se houver, que eu não sei se há", diz a prefeita de Bom
Jardim Lidiane Leite (PP), em um palanque no centro da cidade, onde se
defende de acusações de desvio de dinheiro público.
"Estou de cara limpa, aqui pra vocês batalhando por uma melhoria nessa
cidade, uma evolução maior para este povo", acrescenta a gestora
municipal.
A prefeita é investigada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate às
Organizações Criminosas (Gaeco) do Ministério Público Estadual (MP-MA),
pelo Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal (PF).
"Até agora da investigação que foi levada a efeito do inquérito
policial instaurado aqui na Polícia Federal é que de fato há fortes
indícios de que houve, sim, desvio de recurso público direcionados à
merenda escolar, de outros recursos direcionados à educação e de outros
do Fundeb e não só do Pnae", explica o delegado federal Ronildo
Siqueira.
"A princípio, a gente apurou que mais de R$ 15 milhões, no ano de 2014,
foi aplicado em reforma de escola e em construção de escolas e, isso,
aparentemente, andando por Bom Jardim, na zona rural isso não existiu. E
a gente requisitou todos esses contratos, mas não encontrou", diz a
promotora Karina Chaves.
Prefeita por acaso
A reportagem teve acesso com exclusividade ao conteúdo das
investigações. São possíveis fraudes em licitações, desvio de dinheiro
da merenda escolar e transferências bancárias irregulares.
Antes de entrar para a política, Lidiane, que se tornou prefeita aos 22
anos quase por acaso, trabalhava em um mercado. "Ela vendia leite na
porta da casa da mãe dela, junto com a mãe dela", diz uma moradora.
"Antes, ela vendia leite na residência da mãe dela", confirma outro
morador.
Em 2012, o namorado dela na época, Beto Rocha, era candidato a
prefeito. Só que ele foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa e teve a
candidatura impugnada. Lidiane assumiu o lugar do namorado e foi eleita.
Depois que assumiu o cargo, Lidiane passou a compartilhar fotos da sua
nova rotina nas redes sociais. Nesta postagem, ela diz "eu compro é que
eu quiser. Gasto sim com o que eu quero. Tô nem aí pra o que achem." E
completa: "beijinho no ombro pros recalcados."
A polícia investiga transferências da conta da prefeitura para a conta
pessoal de Lidiane, feitas alguns meses depois da posse. São várias
transferências de cerca de R$ 1 mil que chegam a R$ 40 mil em um ano.
Também foram feitas transferências para o advogado da prefeitura,
Danilo Mohana, que somam mais de R$ 200 mil em pouco mais de um ano. O
advogado foi procurado e agendou uma entrevista, mas não apareceu no
horário combinado.
Prefeita de Bom Jardim Lidiane Leite (PP) (Foto: Reprodução / TV Mirante)
Situação das escolas
Na internet, a prefeita escreveu: "devia era comprar um carro mais luxuoso, porque graças a Deus o dinheiro tá sobrando."
Na pequena
Bom Jardim,
não tem nada sobrando. A cidade tem 40 mil habitantes, um índice de
desenvolvimento humano entre os mais baixos do país e problemas graves
na educação, escolas caindo aos pedaços e crianças estudando em lugares
improvisados.
Alex: Isso aqui era um bar antes?
Professora: É.
Alex: Aqui é o balcão?
Professora: É.
Alex: E veio para cá o colégio por que, pro bar?
Professora: Porque o colégio está estourado.
Depois que a prefeita foi eleita, houve duas licitações para reformar
as escolas. A empresa Ecolimp, que tem como atividade principal "coleta
de resíduos não perigosos", recebeu R$ 1,8 milhão. No contrato, consta
que ela funciona no centro comercial de Raposa, na Região Metropolitana
de São Luís, mas não há nenhuma empresa no local informado.
A TV Mirante apurou que não houve reforma em nenhuma das escolas previstas no contrato.
No local onde deveria estar delas, só tem mato.
Por enquanto, as aulas são num espaço improvisado.
Zeladora: Ó o banheiro.
Alex: Esse é o banheiro que as crianças usam?
Zeladora: É, o banheiro.
Em outra escola, as crianças estudam amontoadas em uma varanda.
Alex: Não tem sala de aula?
Professora: Não tem sala.
Alex: Essa escola não foi reformada recentemente?
Professora: Não.
Alex: E o quadro negro, como é que faz?
Professora: Não tem.
Procuramos os donos da empresa que venceu a licitação. Um deles não foi
encontrado. O outro, identificado com Hudson Oliveira Braga, que mora
na periferia de
São Luís, não recebeu a reportagem.
Em outro contrato, a empresa Zabar Produções recebeu mais de R$ 1,3 milhão para reformar 13 escolas.
Pela licitação, deveria haver uma torneira de primeira linha em um
bebedouro que nem existe. E os banheiros da escola a situação é bem
diferente no papel da realidade. Deveriam ter pias, chuveiros,
saboneteira, mas não há nada disso. Nas salas de aula, a situação se
repete. Onde deveria ter forro no teto e luminárias, há uma lâmpada
pendurada em um fio. As portas também deveriam ser novas, mas estão
velhas e com os trincos quebrados. Em uma das salas, nem porta tem.
A reportagem ligou para o dono da empresa, Antonio Oliveira da Silva,
conhecido como Zabar, que confirmou por telefone que realizou as
reformas nas 13 escolas.
Em 2013, a Câmara Municipal de Bom Jardim abriu uma Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os contratos da
prefeitura. A prefeita recebeu os vereadores que estiveram no seu
gabinete com agressões verbais.
Lidiane: Vocês são tudo, sabe o quê? Um bando de moleque, vagabundo, sem vergonha! Ladrão, ladrão, ladrão!
A câmara também encaminhou à Polícia Federal e ao Ministério Público
denúncia de fraude na licitação da merenda escolar. Em 2013, a
prefeitura fez um contrato com 16 agricultores para fornecer merenda
para as escolas municipais. Cada agricultor receberia, em média R$ 18
mil por ano.
Alex: Consta que a senhora teria recebido cerca
de 19 mil da prefeitura pra fornecer merenda. A senhora nunca pegou esse
dinheiro?
Zuleide: Nunca peguei esse dinheiro. E nunca nem vi esse dinheiro de prefeitura. Nunca.
Zuleide: Eu acho que isso aí é uma enrolada que estão fazendo comigo sem eu dever.
Antonio Cesarino, visto nessas fotos com a prefeita, era secretário de
Agricultura do Município na época dos contratos. "A Câmara diz que foi
desviado, acusa a minha pessoa e eu lhe digo mais uma vez que eu não
recebi um centavo, eu não vi a cor desse dinheiro", defende-se Cesarino.
"A investigação ainda está em andamento, mas a medida em que for
correndo o procedimento e de fato sedimentada essa participação, eles
serão indiciados, no inquérito policial podendo responder por associação
criminosa, peculato e posteriormente serem condenados na justiça",
explica o delegado Siqueira.
Vida em São Luís
Enquanto é investigada em Bom Jardim, a prefeita é vista com frequência
São Luís, que fica a 270 km de distância. Na capital, a reportagem
flagrou Lidiane fazendo compras em uma loja de vinhos e na sala de
espera de uma clínica, às 11h de uma quarta-feira. E, em uma postagem na
internet, ela aparece na academia, malhando em São Luís.
Em Bom Jardim, a reportagem esteve na prefeitura em horário de expediente.
Alex: Não tem ninguém aí?
Vigia: Não.
Alex: E a prefeita?
Vigia: Tá aqui não.
Alex: Sexta-feira ninguém trabalha aqui?
Vigia: faz que não com a cabeça.
A reportagem tentou falar com a prefeita pelo telefone, mas as ligações
caíram na caixa postal. Uma equipe da TV Mirante havia conseguido falar
com a gestora um pouco antes de um comício.
Repórter: Com relação à transferência de dinheiro da prefeitura para sua conta pessoal?
Lidiane: Isso é uma total mentira e eu não tenho medo algum. Vai ser provado.
Lidiane: O que eu tenho a falar é que está sendo investigado. Você e toda a população vai ser informado do que houve.
Enquanto isso, os professores e estudantes só têm a lamentar. "Eu fico
triste quando eu chego aqui, eu observo, eu olho tudo, sei lá, dá um...
Fico triste. Queria uma coisa mais organizada para eles, que eles
merecem", conclui.